Tuesday, August 18, 2020

É bom ficar SEMPRE ALERTA!

 Ela sempre achou estranho jantar com o escuro do sítio a lhe observar. Ia comer sentindo medo. Procurava não olhar para lá, mas seus olhos insistiam em ir naquela direção. Pelo dia gostava de caminhar por lá, de brincar, de pegar frutas nas árvores...mas era bem diferente, pois tinha a mágica presença do sol a lhe acompanhar.Com a chegada da noite, vinha também a escuridão,  que transformava o sítio, o seu lugar preferido, num imenso habitat de criaturas sombrias a fazer barulhos assustadores. Era um cenário ideal para um filme de terror. Mal sabia ela que ali naquele lugar, em plena luz do dia e com alguém que ela já conhecia, iriam acontecer cenas que até hoje a fazem sentir arrepios. 


Era um dos veraneios que ela passava naquele seu paraíso. Casa de praia dos avós paternos que seu pai também gostava muito de ir e levar a família, assim como a sua mãe. A casa quase sempre estava cheia. E cheia também de alegria.
 Num desses dias de verão, ela estava lavando os pratos do almoço. Seus irmãos e primos brincavam no sítio, seus pais cochilavam,  e um tio a observava deitado numa rede. Apesar de estar um pouco longe de onde ela estava, dava pra perceber o quanto que ele estava olhando. Chegou até a achar um pouco estranho, mas imaginou que seria no máximo, por mera admiração. Pelo fato de sua sobrinha (sobrinha da sua esposa na verdade), uma mocinha deixando aos poucos de ser uma criança, estar realizando um trabalho como esses sem reclamar. Ela estava lavando uma boa quantidade de pratos com alegria, eu diria até com algum prazer. E por um momento, parecia até estar se exibindo para ele, mas era uma exibição inocente, sem jamais passar pela sua cabeça no que ele realmente estaria pensando...

 A sua autoestima nem sonhava em poder despertar desejos. Ela se achava incapaz de fazer algum homem sentir vontade, ou ter alguma curiosidade a respeito do seu corpo, ao contrário dos de suas amigas e primas, onde já poderiam ser percebidos os sinais femininos despontando, por mais que algumas, sem ela conseguir entender, tentassem esconder. 
Surpreendeu-se quando ele saiu da rede e foi em sua direção. Com o dom da palavra que tinha, começou a falar com ela sobre algo interessante e a chamou para ir onde estavam os talheres, noutra parte da cozinha. Chegando lá ele começou a explicar sobre a nova tarefa que ia passar para seus irmãos e primos, a turma que ele deu o nome de escoteiros. Eles estavam com ela participando de várias brincadeiras. Sempre alerta, os escoteiros eram muito bem orientados, e até hoje ela lembra de alguns interessantes ensinamentos sobre a natureza, sobre como se defender do que poderia no mato algum dia acontecer...boas lembranças que logo são interrompidas por sentimentos que não sabe dizer ao certo, mas que de alguma forma ainda a perturbam.  ... 

Na cozinha, ele pegou um garfo na gaveta e fingindo que estava procurando o melhor lugar para escondê-lo, colocou-o rapidamente entre o short e a barriga dela. Ao fazer isto ele baixou a cabeça e olhou para o que ela tinha dentro do short, ou seja, a sua calcinha. Nesse momento, ela, sem ação, percebeu que por alguns segundos ele parou e pareceu ficar sem ar...depois a respiração ficou mais rápida, um pouco até ofegante. 
Sutilmente voltou a explica-la como seria a próxima tarefa que ele ia passar para os outros "escoteiros". O garfo que estava entre o short e a barriga dela ia ser escondido em algum lugar do sítio e seus irmãos e primos teriam que procurá-lo. 
Saíram da cozinha e seguiram rumo ao sítio. Chegando lá, quando se referia ao lugar onde o garfo poderia ser escondido, ele voltava a puxar o seu short e reagia da mesma maneira que a primeira vez. Ela ao mesmo tempo em que se sentia surpresa e vítima de algo em que nem sabia direito o que era, se assustava, mas tentava não demonstrar isso. Por incrível que pareça, ela não conseguia ver maldade naquilo, mas conseguia enxergar mesmo através de lentes embaçadas por uma fiel inocência, que aquilo não estava certo. Aos poucos foi constatando que aquela tarefa de esconder o garfo era um pretexto que o seu tio inventou para ver o que ela jamais pensou em um dia mostrá-lo. Ao retirar o garfo do short dela, olhando novamente para o que estava no interior, ele o escondeu numa das árvores do sítio...

Ao chamar a turma de escoteiros, explicou o que deveriam fazer. Teriam que encontrar um objeto que fora escondido no sítio, e quem achasse, seria premiado. Ela fez de tudo para mostrar para a turma onde estava o garfo, parecia que agindo assim, ela estaria se vingando do escoteiro chefe. Ele, contando que o fato de ter tido muitas experiências, o fazia ter a capacidade de saber sobre tudo o que um dia ela poderia enfrentar no futuro, disse que quando ela se tornasse uma mulher, seria muito cortejada (coisa que nos seus quase onze anos de idade, ela nem chegava a pensar), e que ela não se sentisse constrangida com isso, que ela soubesse tirar disso algum proveito. Quem já estaria tirando proveito daquela situação era ele, que devido a sua idade já avançada, sendo muito mais velho que o seu pai, ela nunca iria imaginar que passaria por algum momento parecido com o que passou com ele naquela cozinha. De repente, ao tentar mostrar onde estava o garfo para os outros escoteiros, ela percebeu que acabaria os levando para longe e ficou com medo, pois de jeito nenhum queria ir para um local mais isolado do sítio com aquele que um dia foi considerado seu tio querido. Foi quando do nada, entre as árvores, aparece alegre saltitante, uma de suas primas, e grita: - Achei! - Veio correndo atrás deles com o garfo na mão. E vendo-a ali, com o tio escoteiro chefe, perguntou desconfiada (antes mesmo de saber qual seria o seu prêmio) :
 - Por que você não participou da brincadeira com a gente? - Antes dela pensar em alguma explicação, ele rapidamente com seu tom astuto respondeu: - Ela não brincou dessa vez porque foi a minha assistente- E lançando um olhar suspeito para a sua outra sobrinha, continuou  -  Se quiser, a minha próxima assistente pode ser você.

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