Olhar para o teu rosto assim me faz acreditar no que sempre
nos falaste: que a morte não existe, que quando o espelho é bom, ninguém jamais
morre.
Olho para o teu rosto maquiado e o teu corpo com um vestido
azul celeste, colar e brincos brilhantes...sim, resolvemos atender ao teu
último pedido. Realizamos o teu sonho. Vossa vontade que não foi feita aqui na
terra mas que esperas que seja no céu.
Meu adorado pai, sei o quanto deve ter sido difícil para ti
viver sem poder ser quem realmente és. Tu casaste, construíste uma bela família
de respeito, unida. O orgulho dos teus pais. Sempre muito bem visto pelos
amigos e conhecidos. Um grande exemplo para os seus seis irmãos mais novos.
Ficaste viúvo mas não desceste do salto. Pena que não foi
literalmente. Sofreste calado e criou os teus filhos exercendo a tua profissão
de médico. Afinal, era um dos desejos da tua mãe. E tu conseguiste se formar
com louvor numa das melhores faculdades. Um irmão advogado, outro bancário e claro,
também tiveste um irmão padre, que está aqui celebrando a tua missa de corpo
presente.
A tua fase alcoólatra foi dolorosa para todos, principalmente
para tu mesmo. O resultado dessa falta de controle, dessa espécie de fuga, tu
deves ter percebido quando já era tarde, quando o teu fígado já não mais
funcionava. Bebias quase que diariamente. Costumavas também dar as tuas saídas
misteriosas. Chegamos até a desconfiar que tu estavas de caso com alguém. Que
tinhas arrumado uma outra mulher às escondidas. Mas nunca podemos descobrir
para onde ias e muito menos com quem.
Fiz questão de pôr o teu nome no meu primeiro filho. Olho
para ele hoje e lembro da música do espelho que tu gostavas tanto. “A vida é
mesmo uma missão, a morte é uma ilusão, só sabe quem viveu. Pois quando o
espelho é bom, ninguém jamais morreu.”
Carlos Eduardo Neto, o Netinho, amanhã faz quinze anos. Ia
mandá- lo para uma certa clínica de hipnose. Ia ter que fazer um tipo de
tratamento, mas mudei de ideia, pela felicidade da mãe dele, e agora acho que
minha também. Ele parece estar feliz assim, do jeito que é: Cadu Glamour, como
gosta de ser chamado. Quem sabe tu estás a assisti-lo da morada dos anjos? Será
que estás feliz também?
Ouço trovoadas! Essa chuva me deixa ainda mais triste, e
sei que tu sabes disso, pai...
Sei também que és tu que junto com o sol surges agora, colorindo
o céu.
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