Tuesday, December 28, 2021

A transformação da lagarta


 


                           A lagarta estava um pouco incomodada, sentia que algo precisava ser feito para que uma transformação na vida dela pudesse acontecer. Mas no fundo, ela não queria. Sentia também que resistir a estas mudanças lhe traria problemas, traria dor. E uma dor maior do que a que ela poderia sentir ao ter que enfrentar a metamorfose. Continuava se arrastando, alimentando-se das mesmas folhas, às vezes tão sem sabor. Não se arriscava em buscar outras árvores, outros ambientes, outras espécies... Se conformava no seu mundinho, no casulo imaginário que ela construiu sem lhe oferecer a possibilidade de futuros voos.

                              O pouco que arriscava era quando escolhia outros percursos, outras direções, porém continuava com a mesma forma de agir. Continuava a se arrastar, no seu ritmo de progredir. A qualquer obstáculo, seja no clima, no solo, ter que desviar, ou escalar... ela cansava, antes mesmo de chegar. Já era o que queria ser, alcançou tudo o que sonhou, estava condenada a ser essa feliz lagarta. Se sentia por ela mesma admirada.

                            Assistia aos voos das amigas borboletas, observava as transformações, às vezes até tentava seguir os passos de algumas delas, mas não, preferia mesmo era seguir o seu coração. Pelo menos ele, nunca a decepcionou.

                          Um dia enquanto se alimentava, não viu que estava na época em que as suas refeições ficavam além de lindas, perigosas. Embora se vestissem de flor, era um sinal de que em breve iriam cair. Ela teria que ficar mais atenta, mas não ficou. Acabou caindo junto com as folhas num mágico bailar, próprio da estação. A lagarta pôde voar no balé magnífico que os bons ventos do outono sempre proporcionam. Enfim, voou... E sem precisar passar por nenhuma dolorosa transformação. Foi parar no jardim da casa onde morava uma criança. A mãe da menina pegou a folha no ar, e percebendo a presença da lagarta, quis mostrá-la a filha que ficou encantada. Ao sentir que estava sendo observada com tanto carinho, com tanto amor, continuou o seu caminho. Ouviu sobre o dia em que ela se transformaria numa bela borboleta, mas que mesmo sendo essa lagarta ela já mostrava uma certa beleza.

A lagarta se sentiu tão bem, que saiu quase dançante. Parecia que cada parte do seu corpo seguia uma perfeita coreografia.

                       Um pássaro que estava por ali notou também a sua presença e, morrendo de fome, não resistiu àquele suculento lanche. A lagarta finalmente serviu para alguma coisa na sua vida, que não fosse sair por aí se arrastando, ou embelezando os jardins, bailando com o vento, as folhas e flores. De alguma maneira iria voar também agora, provisoriamente, dentro de um outro animal. E depois, poderia servir de adubo ou quem sabe, deixaria mais bonita a pintura de algum carro...


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