Tuesday, January 04, 2022

A fé de José

 


  O chapéu de couro, José usa para não tirar da cabeça o seu lugar de origem. O oxente ele não consegue parar de falar nem quando de repente lhe vem um Bah! O cafezinho ele não troca por nada, nem o seu prato de cuscuz com leite. Do churrasco ele gostou, não tem do que reclamar. A carne é realmente mais saborosa do que a da sua terra.

Para ele não tem tempo ruim. Já se acostumou com os dias mais frios. É só vestir mais camadas de roupa, manter-se aquecido com os casacos. Aprender a curtir o fogo de lareira, tomar chocolate quente, apreciar as mudanças na paisagem.

  O que José mais sente falta é do que se comemora no mês de junho lá no seu Nordeste. Se o dia de um só santo por lá às vezes já é um evento grandioso, as festas de Santo Antônio, São João e São Pedro, três santos no mesmo mês, é uma festa sem tamanho. Assim como a saudade que José carrega no peito.

 O arrasta-pé no ritmo do forró, o cheiro da pólvora, a fogueira queimando, o milho assando... A pamonha, o pé-de-moleque, o caruru, os bolos de macaxeira, de puba, a canjica, o mugunzá. Delícias que ele até podia fazer por lá, mas que era impossível ter o mesmo sabor, pois também era impossível encontrar todos os ingredientes.

Foi parar nas bandas do Sul para visitar a irmã que se casou com um gaúcho. Gostou tanto de lá que resolveu ficar. Arranjou logo um emprego e depois conseguiu abrir o seu próprio negócio. Nunca foi uma pessoa tão animada, falante, mas a mudança de ares favoreceu o nascimento de uma personalidade que ele até então desconhecia, apesar de sentir que ela já estava ali por dentro, em algum lugar, querendo despertar.

Quando a tristeza lhe aperta o coração, ele lembra do seu avô dizendo que não tem nada que uma boa música ou um bom livro não possa curar, nem lugar que assim não se transforme num paraíso. E quando as lembranças de um caipira insistem em permanecer, ele as transforma em histórias e conta aos seus clientes, que caem na risada. Foi num desses dias em que ele dava o seu show de comédia caipira no armazém, que Antônia apareceu. Morena de cabelos cacheados e compridos, Antônia era gaúcha mas com pais também nordestinos. Seu nome foi pra pagar a promessa que a sua mãe fez para o santo casamenteiro. José imediatamente se encantou por ela. Organizou logo um forró, achou um trio pé de serra por lá e chamou Antônia para dançar. Foi no xote, no baião, e no xaxado, que eles demonstravam o quanto já estavam apaixonados. Quem herda, não furta. Antônia não nega o sangue que corre nas veias. E que rapidamente deu positivo para a gravidez dos gêmeos: Pedro e João. Os santos do mês de junho estavam todos na família de José, as festas juninas agora estavam completas para eles. E o armazém de nome Oxente, agora era OxenTchê!

A saudade da sua terra foi aos poucos diminuindo... O caipira de vez em quando usava um chapéu campeiro e tomava um chimarrão. Viu que suas raízes nordestinas podiam ser plantadas em qualquer chão, e dar belos frutos. Era só continuar pegando um pouco da fé que tinha em Santo Antônio, São João e São Pedro, para depositá-la em si mesmo. E o caipira começou a comemorar também o dia de São José.



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