Thursday, January 06, 2022

Porta que não fecha

 





A porta está quase sempre encostada. Para abri-la não é necessário virar a maçaneta antiga. Até ao passar por ela, às vezes apressadamente, ouve-se ela se abrindo sozinha.

Lá embaixo é frio e escuro. A escada é de aparência frágil e ao mesmo tempo perigosa, de madeira, sem corrimão. O verde do qual ela foi pintada é um verde musgo, deixando ainda mais escuros os degraus que chegam a ser de alguma forma, convidativos.

Uma mancha escura no final da escada mostra o quanto foi tentado apagá-la, mas mesmo assim, teimosa, insiste em aparecer gritante.

Um piano velho fica no lado direito, no esquerdo ficam os aquecedores, uma escrivaninha com gavetas, um mural com cartões postais e alguns desenhos infantis coloridos e ainda assim, depressivos.

 Várias prateleiras com caixas guardam enfeites de natal, embalagens de presentes, cadernos, bloquinhos de papel, agendas, livrinhos e em outras são guardadas roupas como vestidinhos floridos, alguns com saias bem compridas. Casaquinhos, capinhas de chuva e também pequenas botas.

Algumas ferramentas de jardinagem, e produtos de limpeza ficam armazenados lá, junto com as máquinas de lavar e secar. A torneira da pia insiste em pingar numa pequena poça.

A luz principal não chega a iluminar tudo. Para clarear mais, é preciso acender uma lâmpada dentro, puxando uma cordinha no seu próprio bocal. Num canto mais escondido fica um abajur de pé com uma boneca pendurada. Um pouco mais adiante, uma caixa bem desarrumada de fotos antigas, algumas de uma menina brincando com um ursinho caídas no chão.

Um suporte de metal próximo a parede empilha sedutoras garrafas de vinho. Em cima de uma pequena mesa de plástico foi deixada uma carta junto de uma garrafa vazia. Pela janela basculante, sombriamente se enxerga a árvore do quintal com um balanço sendo movido pelo vento...

Ao lado da janela, uma corda foi amarrada numa das tubulações entre os varais. E o que está pendurado nela, embora pareça, não é uma boneca. Ao seu redor, uma selva de pelúcia ferozmente liberta: elefantes, tigres, jacarés, macacos, pássaros, e num canto afastado e escuro, um ursinho encardido.

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