Monday, January 03, 2022

Depois




Fizeram amor na sala, tentando fugir um pouco da rotina. E a coisa foi tão quente, que quebraram a cadeira perto da janela. Lugar onde às vezes, gostavam de ler. As cortinas brancas movimentadas sutilmente pelo vento criaram um bonito cenário. Tudo parecia estar seguindo uma bela coreografia. Paloma e Carlos acertaram o passo, criaram um ritmo e souberam aproveitar o momento como há muito tempo não faziam por causa dos filhos. Depois, ainda sem roupa, os dois foram para o quarto. Falaram sobre trabalho, sobre as crianças, do quanto ela gostava de inventar histórias quando pequena, e da vez em que todos acabaram acreditando numa que ela escreveu...o papo após o sexo sempre rolava mais fácil, mais leve, e o prazer assim era prolongado.

Paloma foi para a casa da mãe pela tarde e Carlos tirou o dia de folga. Quando o filho André chegou cabisbaixo da escola, seu pai já sabia o motivo: ele se dera mal de novo nas avaliações. Falou que talvez perdesse o ano. Carlos não economizou no sermão. Disse que ele tinha a obrigação de estudar, de se esforçar. Que as coisas estavam cada vez mais difíceis, e que se ele não passasse de ano, não receberia mais a mesada.

André prometeu levar a sério os seus estudos. Entrou no quarto fechando a porta calmamente. Carlos foi caminhar ali pela vizinhança. No elevador, pensou em depois conversar melhor com André, tentar ficar mais próximo dele. Sentiu que era necessário.

      O prédio começou a ser decorado para o Natal. Carlos pôde notar isso com certa surpresa e viu quando algo despencou de uma janela, mas não pôde enxergar o que foi. Muita gente se aproximou,  e também curioso, acabou desviando a caminhada. 

Abrindo espaço na multidão, Carlos viu o porteiro do prédio que, com lágrimas nos olhos tentou impedi-lo de seguir adiante. Driblando-o, Carlos conseguiu chegar aonde jamais ia querer estar. Não foi um enfeite de Natal que havia caído. - André??!!- Gritou.

A sirene de uma ambulância começava a ser ouvida. E a imagem transtornada da sua esposa surgiu. O porteiro a segurá-la, e com aquela força que nem ela sabia de onde vinha, empurrava, esmurrava, mordia, chutava, e enfim, conseguiu escapar dos braços de quem quis impedi-la de ver o próprio filho.

 Ela viu também a cadeira quebrada, André subindo nela para pegar um livro da estante, se desequilibrando, e diferente da última vez que ela presenciou, a sua queda da janela sem proteção. 

    “Meu filho!!” Aos prantos, Paloma tocava o rosto de André, que já não estava ali. Quem ali estava era o seu marido, ou parte dele, que já definhava. Era tanta dor que ela chegou a pensar que iria perdê-lo também. Ao tentar abraçá-lo, o ouviu dizendo que a culpa era dele, que não deveria ter sido tão duro. Puxando a gola da sua camisa, Paloma disse que não, que ele não era o culpado. Ela ia trocar a cadeira por outra, mas resolveu deixar pra depois.


No comments: