Friday, January 21, 2022

Do mar



 Giulia lembra da mãe lhe contando histórias sobre uma amiga casada com alguém que trabalhava embarcado. E antes mesmo dela dizer dessa água eu nunca beberei, quando viu, seu marido trabalhava embarcado também. No começo, Giulia se sentia um pouco incomodada com a ausência do seu querido amor, mas depois foi se acostumando e até aprendeu a gostar.

Quando sua filha ia para escola, e ela se via livre dos serviços que a casa implorava pra fazer, Giulia ia caminhar pela praia. Gostava de olhar o mar e ver as ondas num hipnotizante vai-e-vem. Ondas que vinham ora calmas e minúsculas, ora enormes e violentas. E era isso mesmo que fazia o mar ser mar, essa instabilidade. Essa frieza inicial que a impedia de ir lá e dar um mergulho de cabeça, mas quando resolvia enfrentar a temperatura, o seu corpo acabava aos poucos se tranquilizando, e a paz e a alegria vinham como as ondas, batendo com força, e também suavemente a acariciá-la. Ela se sentia relaxada, revigorada, e até mais feliz. A água salgada funcionava realmente como um remédio. O banho de mar era um banho doce. Era o seu mar doce mar.

Ao contrário do que muitos pensavam, nos dias em que o marido estava embarcado ela não se sentia um peixe fora d’água. Ela caía na tentação de cair numa rede, e se embalava no movimento de ser só ela mesma. Nos livros, nas músicas, nas danças, na escrita, nos amigos, nas lembranças... Ela mergulhava num mar de gente e sensações que às vezes até chegava a se afogar, a ficar sem ar, sem fôlego de tanto que conseguia respirar fundo. Bem fundo. No poço sem fundo da saudade. E só saía dele quando o seu marido enfim voltava, lhe resgatando do maremoto.

Giulia sabia que seu casamento ia ter os seus altos e baixos. O homem com quem se casou nunca lhe escondeu nada, não lhe prometera um mar de rosas. Foi uma decisão tomada com sede. Sede de realizações, sede de algo que ela até hoje não sabe identificar. Só sabe que virou o copo de vez, tomou a decisão no calor da paixão. Se jogou na maré alta sem poder enxergar o perigo a que estava se submetendo. O perigo da maré agitada se transformar, do nada, numa maré baixa, calma, sem graça.

Seria mesmo doce morrer no mar? Num mar de amor? Tranquilo, sem ondas. Ondas que ela mesma teria que de vez em quando criar, ou tirar. Ela teria que agitar o mar por onde escolhera navegar. Ela no fundo sabia que tinha esse poder, e não podia abandonar o barco. Continuava remando. Às vezes contra a corrente que ao mesmo tempo que a aprisionava, a protegia. E assim seguia... Entendendo hoje a que sua mãe se referia quando falava da amiga: “Quem é do mar não enjoa.”


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