Monday, January 10, 2022

O bebê de Lucimar




                      Passar as férias na fazenda dos avós no interior era sempre uma aventura para ele. As noites de verão se transformavam num super evento onde as criadas contavam horripilantes histórias de terror. As personagens dessas histórias, elas juravam por tudo o que era mais sagrado, que realmente existiam por ali. Por isso que o medo ficava ainda maior. Conseguir dormir com tanta assombração na cabeça, tantos espíritos e seres de outros mundos rondando pelo escuro do quarto e do lado de fora da casa, era sempre um processo demorado.

                        Hoje, quando vai à velha casa da fazenda, lembra com carinho do tempo que passou com seus primos, da infância repleta de momentos tão mágicos que ele faz questão de recordar. Um episódio dessa série de acontecimentos na fazenda foi o que mais marcou. Quando ele encontra os primos, é o assunto que mais predomina. O que antes os amedrontava, agora é motivo de risadas, principalmente quando é ela mesma que, mais uma vez, resolve contar. A história do bebê da Lucimar, o Luzinho, que até hoje prefere ser chamado assim.

                       Lucimar é uma das criadas da fazenda. Ela sempre gostou muito de contar histórias para as crianças, e apesar de não conseguir falar algumas palavras corretamente, era sempre agradável ouvi-la. Nas noites de lua cheia ela se sentia mais inspirada. Devia ser coisa da lua, dizia a sua mãe. Tem gente que muda quando ela está nessa fase tão cheia e iluminada. Por isso que aquele ser misterioso aparecia no quartinho dela nessas noites. Um ser que até hoje ela não sabe explicar de onde veio e nem para onde foi...só sabe que suas visitas ao mesmo tempo em que eram assustadoras, foram também muito prazerosas.

                       O ser dizia que, num canto escuro da fazenda, escutava as histórias que ela contava para as crianças e se encantou com a forma que ela falava, gesticulava e interpretava. Ela parecia se esforçar para convencer as crianças dos relatos, sem saber que as seduzia sem precisar fazer nenhum esforço. Numas noites estava mais calma. Já noutras, parecia estar possuída. Ela ficava do jeito que ele gosta. O capeta em forma de mulher. E eram nessas ocasiões em que ele, quem diria, logo ele, se via tentado a levá-la ao paraíso.

                         A primeira vez que ela o viu, quase gritou. O ser invadiu o seu quarto, a sua cama, e não brincou em serviço. Antes, mandava ela contar alguma das histórias, do mesmo jeito que fazia com as crianças. Lucimar com medo de morrer, gaguejando de tão nervosa, ainda conseguia contar. A expressão do ser ia mudando, ele olhava para ela como que enfeitiçado, e não resistia, tinha que tocá-la. Lucimar rezava para ele não mais aparecer, mas quando ele sumia, sentia falta do calor do seu corpo. Ela até arranjava uma maneira de invocá-lo, pensava muito nele à luz da lua cheia. E quando ele reaparecia, Lucimar tinha outros tipos de histórias pra lhe contar, ou melhor, as histórias eram na verdade, sussurradas...

                          O resultado desses encontros quentes foi o nascimento do Luzinho. E quando perguntada sobre a origem desse apelido, Lucimar responde que vem do nome do pai, do Lúficer. E ao som das risadas, começa a contar novamente sobre o ser que a visitava nas noites de lua cheia.


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