Um outro mundo... mundo em que entro quando resolvo colocar para fora o que estou sentindo por dentro.
Tuesday, November 29, 2022
Thursday, November 10, 2022
Thursday, September 22, 2022
Outono primaveril
Chegando o outono, já caindo a temperatura e também as folhinhas, que pra mim também são flores. Flores que além de dar um toque especial às suas árvores, enfeitam também as ruas, os lagos, as gramas...
Saturday, August 27, 2022
Pouso o meu olhar nas flores do caminho,
Mesmo se com espinhos ele se apresentar.
Encontrar a beleza é parar, e mais fundo respirar.
É agradecer o ver, o sentir, o viver.
E assim, o que vier, com mais leveza poder enfrentar.
"Nessa vida passageira, eu sou eu, você é você. Isso é o que mais me agrada. Isso é o que me faz dizer que vejo flores em você!"
Thursday, August 25, 2022
Sim, é difícil de acreditar....it's so hard to believe that!
Tuesday, August 23, 2022
Procurando um assunto para falar , nesse exercício que, pra mim, sempre foi mágico e sempre será: o escrever. Fiz o curso A arte de escrever crônicas com a escritora que admiro muito, a Martha Medeiros... Como não aMartha? eu e minhas brincadeiras com as palavras, simplesmente, não resisto. Fiz também, anteriormente, a Oficina de Subtexto, com a maravilhosa Cíntia Moscovich, e a experiência logo virou OfiCíntia.
Entre ideias para alguns poucos conteúdos, e de vez em quando, somente legendas para postagens minhas, sempre me vêm pedaços de contos, ora semeados pelos memoráveis ensinamentos recheados de tão ricos conselhos da OfiCíntia, ou projetos de crônicas inspirados nas dicas da minha mais nova prof. Martha. E eu acabo postando, "divulgando, num blog que nem tem tantas visitas, mas mesmo assim, me faz bem, no karinanoutromundo. Nome que criei brincando com o meu sobrenome, bem antes de vir parar nesse outro mundo daqui.
Não posso ver uma notícia forte, marcante, algum acontecimento grave, que deixa todo mundo chocado, que eu me vejo tentada a escrever sobre. Às vezes nem precisa ser algo que aconteceu recentemente, mas também pode ser alguma recordação, uma memória distante que do nada vem, vem com tudo! Despertando em mim sentimentos. Junto com eles, vêm também outras histórias, pensamentos, que meio que tentam dar uma certa continuação aos devidos fatos.
O caso do anestesista me tomou mas nem tanto, não ao ponto de me fazer seguir adiante, mas um dia, quem sabe... agora, o que está me pegando, e de vez, é o documentário sobre a morte da atriz Daniella Perez. Esse assassinato que na época marcou tanto, e que até hoje mexe com todos, seja devido a forma brutal que aconteceu, como também a vergonhosa impunidade dos envolvidos no crime. Os detalhes que me fazem viajar numa possível trama, são relacionados à obsessão da esposa do ator, pela estrela que foi apagada por ela, no auge da sua carreira. Algumas informações que a mãe, que o viúvo e amigos de Daniella Perez passam sobre os criminosos, mostram o quanto são doentias as mentes desses dois. E a minha, que também já não é tão sadia, começa a criar cenas baseadas nesses detalhes sórdidos. Como por exemplo, o fato da assassina ter se formado na mesma faculdade que a sua vítima, e ainda colocar a filha num curso de atuação na TV em que Daniella Perez também estudou. Fora a roupa que essa mulher vestiu, no dia do seu julgamento, quando sabia que ia ter a sua imagem capturada pela mídia, a mesma usada pela atriz, no último dia que gravou a novela por ela protagonizada. Quem diria que logo depois, tão tragicamente, pelas mãos do ator que fazia o seu par romântico, e pelas de sua possessiva esposa, na época grávida ( ! ), Daniella Perez estaria saindo de cena, de uma forma tão perversa, violenta e covarde.
Uma estrela que vai estar sempre no céu, no palco das nossas lembranças. Sempre, e intensamente estará a dançar, a atuar... a brilhar! Com ou até mesmo sem aquela trilha Wishing on a star , a acompanhar.
Saturday, August 20, 2022
O parque de diversões que fomos pode muito bem ser chamado também de parque de aflições, pela quantidade de gritos que ouvimos. E sem falar do momento em que ficamos sem energia e, graças a Deus, vimos de fora dos brinquedos a aflição daqueles que tiveram que ficar na parte mais alta de uma montanha-russa. Imagine se fosse na hora do looping! em que ficam de cabeça pra baixo? Omg!
O que me surpreendeu também foi a presença de famílias inteiras! Inclusive com os bebês, até os mais pequenininhos, recém-chegados nesse mundo. E eu ainda me lembrando, e acho que nem tenho como esquecer desses dias, de quando Miguel era assim, tão grudadinho em mim, do quanto que eu me preocupava , não conseguiria nunca relaxar levando ele a um lugar como um parque de diversões tão movimentado por todo o tipo de gente, mesmo com as melhores das intenções.
Ao observar um homem com um estilo meio hippie, barbudo, de cabelos compridos, brincando com um nenê abaixo de uma das montanhas -russas, me veio logo a pergunta: Onde será que está a mamãe daquele pinguinho de gente? Já deixou ele ir se divertir com o pai e alguns amigos dele? Quem sabe ele já andou no carrossel, ou no trenzinho , roda gigante...? Será??
A expressão que o pai fez, de surpresa e alegria, com um certo alívio e orgulho, me fez assistir aquela chegada de uma mãe ainda meio assustada, porém, feliz ao reencontrar o seu bebê bem tranquilo nos braços do pai, que ao ver de perto o seu rosto, fala bem animado que enfim, pôde ver esse tipo de sorriso nela.
Entre os altos e baixos enfrentados na vida de uma mãe, e ainda mais quando tudo está tão recente, o nome da montanha -russa não poderia ser diferente: Wonder Woman! E que maravilha também de pai, por proporcionar um dia de diversão, adrenalina...um dia do jeito que a sua esposa sempre gostou, e que, devido a vinda do seu little boy, pensou que tão cedo poderia viver.
A diversão não precisa ser deixada para trás. Pelo contrário, é só vivendo intensamente os momentos de alegria, que a gente consegue seguir em frente.
Friday, August 12, 2022
Devaneios de mágicos veraneios
Dias mais quentes, verão que me traz aqueles veraneios, devaneios...
Dias mais alegres, ao apreciar a chegada de mágicas visitas, terra à vista!
E "Por mais distante...quem jamais os esqueceria?"
Daqueles veraneios, devaneios.
Luz do sol em tudo, a todo momento, uma ilha que luzia.
Ói o guaiamun! Cadê? Voou... - (Carlinhos de Cajinho).
Pescarias, brincadeiras, tarefas, jogos, competições, quermesses.
Manga peito deliciosa, espada encantada, rosa maravilhosa, jambo, pinha, araçá do lado de lá, goiabas e das mais raras, cajus com suas doces travas e nódoas, jacas, pitangas do sítio vizinho, doces travessuras...
Mangue e as aventuras para se chegar, lambidas salgadas nas folhas, sabor do verão, ah e os ingás? pisadas na lama, barulhinhos e sensações, banho bom na boca da barra, mergulhos, pescar siris, volta pra casa, olhar as latas de óleo coloridas, belas e bem boladas armadilhas...
Dias mais quentes, calor que refresca as melhores memórias.
Dias mais alegres, desde a ida nas lanchas ou balsas. Casa no alto, pista de skate e escorregadeira na frente,mas antes grama, som alto daquele bar, músicas que hoje quando ouço, ainda ativam as lembranças.
vacas, e a Corina, Toeta, esteira de palha, lua cheia na rede com painho... lua de Pedro Jorge, lua deslumbrante, lua do meu coração.
Ah, Atalaia Nova... veraneios, devaneios de uma infância rica, vovô Paulo e vovó Walquíria, casalzão da praia, cheirinho de protetor com bronzeador, cheirinho de lá, prancha de isopor, água viva, chega, mija!
Salada de fruta top com uva no topo, picolé! tem de russo?
ovo de capoeira de Dona Senhora, senhorinha que reza as pessoas. tipo uma mãe menininha.
eu menininha, histórias de tia Ana ... árvores encantadas, sítio mágico, morceguinho pendurado no teto mostrando a língua, e a mistura de medo e curiosidade.
pra você que aqui veio, isso são só alguns simples devaneios, dos meus mais doces e mágicos veraneios.
Wednesday, July 27, 2022
Vacationland
Olho para o acampamento ao lado, e vejo uma barraca pequena, uma bicicleta moderna e numa rede, dormindo, o que me pareceu ser um jovem atleta, daqueles mochileiros que curtem mesmo uma grande aventura. Junto com o ronco forte do vizinho encasulado pela rede, escutei meu marido falando: - Ele deve estar mesmo cansado. Vi quando ele saiu para pedalar... o sol ainda nem tinha nascido. No chão, um par de tênis bem sujo, um boné e uma garrafa já sem água.
Fomos dar um passeio pela Vacationland, e descobrimos os motivos pelos quais Maine era conhecida dessa forma. Ela realmente é uma cidade feita para as férias. Ainda mais para quem não dispensa uma boa praia e tudo o que vem junto dessa sempre mágica experiência. Passeio de barco, pescaria, farol antigo com a presença de gaivotas... E uma culinária que só de lembrar ainda sinto o cheiro e o sabor dos deliciosos frutos do mar servidos das mais diversas maneiras.
No centro da cidade, tudo é do oceano. Decorações nos formatos de todos os seres marinhos reais e também imaginários. Conchas presentes em cortinas, porta-retratos, espelhos, guirlandas, brincos, pulseiras, colares... peixes, sereias, lagostas, caranguejos, siris, focas, polvos, águas-vivas, baleias, entre tantos outros animais aquáticos em tantos objetos, espalhados pelas lojas e pelas ruas. Pelo menos uma concha e uma estrela do mar de lá, a nossa casa também vão decorar.
Ao voltar para o acampamento, pude ver o vizinho que antes dormia na rede. O jovem atleta tinha cabeça e barba brancas, a pele já bem enrugada... Cheguei até a me perguntar se teria sido ele mesmo que saiu antes do sol nascer para pedalar, ou seria o seu pai, ou avô? Percebi que o mochileiro era ele, sim. E já estava pronto, todo equipado, para sair pedalando, firme e forte, rumo ao desconhecido outra vez. Constatei também, que quando se tem uma alma jovem, atleta e apaixonada por grandes aventuras, o corpo, de alguma forma, resolve prazerosamente, acompanhá-la.
Sunday, July 10, 2022
Bandeira diferente
Luiz pintava de vermelho o retângulo. Olhei para ele e disse:
- Ei, Luiz! Você está pintando a nossa bandeira de uma forma diferente. Está usando o vermelho ao
invés do ver... – nesse momento me veio que ele poderia ser daltônico. Tentei
disfarçar, pensar num modo melhor, mais cuidadoso de me dirigir a este aluno
que sempre fora tão atencioso e inteligente.
- Hum... Como está linda a sua bandeira, Luiz!
- Gostou mesmo?! – Ele perguntou meio desacreditado.
- É... Sim, gostei. Por que a surpresa? Quer falar algo
sobre a sua pintura?
- Eu não estava achando o lápis de cor verde, comecei a
pintar o retângulo com o vermelho. Achei que combina melhor com o que está
acontecendo com o Brasil. – Respondeu ele um pouco tristonho.
E eu fiquei sem ação, sem palavras ao perceber como uma
criança de apenas dez anos conseguiu me deixar também vermelha, ruborizada!
Luiz continuou:
- Acho que o azul dos mares continua, e do céu também. O
amarelo do sol, das riquezas...mas o verde que seria das matas, verde esperança
como diz minha mãe quando tem que escolher uma cor. Acho que esse verde já está
acabando.
- Mas,
Luiz! Você acha mesmo que o nosso país não tem mais salvação? Não, você não
pode perder as esperanças! – Tentei passar uma mensagem positiva.
- Não perder as esperanças? Como, se já se perderam tantas
vidas?
Em estado de choque, eu quase amarelei, com medo do que poderia
ouvir, mas me atrevi a perguntar:
- Então, o vermelho que você pintou seria...?
- O vermelho pode ser um outro tipo de verde. Uma esperança
que pode nascer de novo, pode brotar! – Falou Luiz bem animado.
Perplexa, eu fiquei
olhando pra ele, e analisando o que ele tinha explicado. Vi que até chegava a
fazer sentido. E como uma apreciadora da criatividade, dos anúncios que chamam
a atenção pela forma simples, enxuta e genial de prender o público, não resisti
e imaginei como seria uma propaganda de um novo candidato. Um salvador para a
nossa pátria. Ou uma heroína, tipo fênix, ressurgindo das cinzas para uma nova
era, um novo recomeço.
Tentando mais uma vez me convencer da sua nova visão de
esperança, Luiz soltou mais um poderoso argumento:
- Lembra quando plantamos aquelas sementinhas vermelhas, e quando
a gente menos esperava, brotaram as plantinhas verdes? As que hoje estão ali, florindo,
perto da janela? Então! – concluiu o meu mestre Luiz. Depois dessa, eu só pude
respirar fundo, olhar pra ele com carinho e sorrir.
Coleções 🗡️⚔️
No jardim, enquanto brincava com as crianças, Julia, a nova babysitter, voltou no tempo. Lembrou do quanto ela foi feliz na sua antiga casa de veraneio. As aventuras no manguezal que ficava perto, os banhos na maré alta, com o pai e tios ensinando como mergulhar e flutuar na água.
- Hey, Julia! - Chamou o seu patrão Paul. – Amanhã traga roupa de banho. Vamos fazer uma pool party! It’s Summer!
Emily pula nos braços do pai que a abraça bem forte. O bebê chora e Julia vai trocá-lo. Pela janela do quarto ela vê uma cena estranha na piscina. O pai conduzindo a filha numa dança conhecida. Movimentos que alguém teria feito também com ela quando era um pouco maior que Emily. Na sua mente vieram passos inocentes mas que iam deixando de ser apenas uma dança. Ao reviver o que passou, Julia foi tomada por uma aflição que a fez rapidamente retirar Emily da água e salva-la daquilo. Paul se assusta com a atitude brusca da babá.
Em casa, Julia resolve dividir o que passou no seu trabalho com o marido. Ele faz pouco caso com a cena que ela viu, diz que ela está imaginando coisas por ter vivido algo parecido quando criança. Disse também para não desistir do emprego pois eles pagam bem e as crianças gostaram dela.
Julia escolhe o biquíni mais comportado para usar na tal pool party. Chegando lá o seu patrão já está na piscina tomando champanhe. Emily brinca no pula-pula e o bebê no carrinho.
Ao passar o protetor solar Julia é surpreendida com Paul lhe agarrando por trás. Ela tenta escapar e não consegue. Seu corpo que antes sentia nojo, que só queria distância daquele ser, começou a dar outros sinais. Emily se aproxima e eles são obrigados a parar. O olhar de Paul devora Julia. Ele toma mais champanhe e dá uma taça para a babá.
Indo para a água com a filha, Paul percebe que o bebê começa a chorar e se incomoda: - Stop crying! Or You’re gonna be the next one!
Julia não acreditou no que ouviu. Acalentou o bebê, o devolveu ao carrinho com o seu brinquedo favorito. Na mesa, ela viu os brinquedos favoritos do pai dele: sua coleção de facas. Pegou uma, entrou na piscina e também naquela dança. Perto de Paul, sentiu que ele estava muito excitado. Tirou Emily da água que correu para o pula-pula. Foi se aproximando vagarosamente dele, pegou a faca onde tinha escondido na parte de trás do biquíni, e facilmente cortou o membro do patrão. Paul deu um berro e antes que ele tentasse fazer alguma coisa, Julia dessa vez enfiou a faca no seu peito. Ele foi perdendo as forças e a piscina mudando de cor. Julia pegou as crianças e entrou na casa. Priscila, sua patroa chega e, vendo a cena, corre para dentro aos prantos. Abraça as crianças com Julia, agradecendo-a. Desesperada, lhe pede ajuda com o corpo do marido, e Julia impõe uma condição:
- Depois, você também tem que ir na minha casa...e conhecer uma certa coleção de armas.
Wednesday, June 15, 2022
Wednesday, May 11, 2022
Livre acordar
Ainda sonolenta tento lembrar dos sonhos...
voltar à esta liberdade.
Às vezes são ainda tão claros, que me deixam
presa na cama.
Amor, paixão: vontade de revivê-los.
Vou despertando aos poucos, e à medida que vou
acordando, vou esquecendo.
No decorrer do dia, eles acabam voltando. Ela
chama.
Posso sentir as emoções que eles trazem,
emoções que ela me traz... Fico calma. Respiro.
E com tranquilidade,
acordo pro fato de que ser livre requer filtro.
Faço uma observação
, uma releitura.
Tomo coragem e
sigo em paz o meu coração!
Paciência comigo mesma. Paz: ciência
do ser, do se conhecer. Se amar. E florescer.
Wednesday, April 27, 2022
O festejar do florescer
Sunday, March 06, 2022
Pré-primavera
Nas águas deste março
que falta faz um daqueles aBRaços ...
domingo chuvoso, cinza, nebuloso
mas para florir é preciso.
Chuva de graças
desgraças?
Disfarça!
Um desfazer, para ser
ser o quê?
quem é você?
preciso saber!
ahmaisduroéser: este envelhecer
ou seria morrer?
Sim, algumas mortes, alguns fins
outros recomeços...
mais uma primavera chegando
a esperança renascendo
canto dos pássaros voltando.
Águas deste março
abrindo uma nova estação
que não é o verão, e quando o é, nunca O será!
mas não me dê mais motivos para chorar
Me deixe seguir a bailar... neste pré-primaverar!
Thursday, February 10, 2022
Saturday, February 05, 2022
Música mágica
José voltou ao Abrigo bem animado, mostrando para as freiras o pianinho que ganhara de Penélope, sua nova amiga.
Um casal de estrangeiros havia chegado ao Lar dos anjos e logo se interessou em adotar o menino que parecia estar tão encantado por um instrumento.
Depois de alguns dias, José tinha uma nova família, um novo nome e foi morar num novo endereço, bem distante dali.
Penélope foi convidada para tocar com o seu grupo fora do país. Nunca imaginou que a sua carreira sempre tão despretensiosa, pudesse levá-los para tão longe.
Ansioso para ver a apresentação de música brasileira no teatro, Paul queria poder mostrar para eles o seu trabalho. Quem sabe tocariam juntos algum dia?
O concerto foi iniciado com uma pianista muito bonita, de cabelos lisos, negros e brilhantes. O seu vestido com mangas esvoaçantes e coloridas dava um movimento especial à sua performance. Suas mãos bem posicionadas, dedos que atacavam com delicadeza as teclas do piano, magicamente tocavam uma música que despertava sentimentos adormecidos. Arrepiado com os acordes, Paul foi saindo da cadeira à francesa, e deu lugar ao José: o menino que numa das escapadas do Abrigo em que morava, foi atraído por um outro concerto, que acontecia na varanda de uma casa pequena, mas bonita. Onde a atração principal, tão simpática, lhe dera de presente o que lhe fez ser quem era hoje: percussionista da Orchestre de L’Ópera de Paris.
Ao terminar a apresentação, Paul foi ao camarim tentar conhecer os músicos. Eles o receberam muito bem, foram muitos gentis e até marcaram um próximo encontro. Paul ficou contente, mal podia esperar para vê-los de novo, principalmente a pianista.
Penélope parecia bem empolgada, com os cabelos a acompanhar o ritmo de uma música que Paul gostava muito. Ele não perdeu a oportunidade e começou a acompanhá-la também com a sua percussão. O som que eles fizeram naquele dia agradou a todos. Alguns dançavam e até pediram bis. Toda essa cumplicidade musical vinha além da nacionalidade em comum. Vinha também de um sentimento que havia novamente aflorado. Não demorou para surgir o EsPPetáculo. Nome do show que eles já ensaiavam para apresentar no Brasil.
José saiu do palco e foi pegar uma lembrança que tinha trazido para Penélope.
Ao abrir a caixa, Penélope voltou no tempo, ao tempo em que seu avô, maestro de uma orquestra sinfônica da sua cidade, ainda era vivo e, sempre orgulhoso, a fazia tocar diariamente. Não acreditou que tinha reencontrado o menino que um dia resolveu desviar o seu caminho e parar, só para lhe prestigiar. Sabia que já conhecia aquele jeito de olhar, de sorrir e de aplaudir do Paul...ele era o José! Não foi por acaso que ela lhe deu um dos seus pianinhos quando pequena.
Espantada com o que a música estava lhe proporcionando, Penélope ficou sem palavras, e abraçou o José, que lhe agradeceu pelo gesto que marcou a sua vida.
Como se seguissem uma coreografia ensaiada anos atrás, embalados por uma incrível sintonia, Paul e Penélope se entregaram à magia daquele momento.
Friday, January 21, 2022
Do mar
Giulia lembra da mãe lhe contando histórias sobre uma amiga casada com alguém que trabalhava embarcado. E antes mesmo dela dizer dessa água eu nunca beberei, quando viu, seu marido trabalhava embarcado também. No começo, Giulia se sentia um pouco incomodada com a ausência do seu querido amor, mas depois foi se acostumando e até aprendeu a gostar.
Quando sua filha ia para escola, e ela se via livre dos serviços que a casa implorava pra fazer, Giulia ia caminhar pela praia. Gostava de olhar o mar e ver as ondas num hipnotizante vai-e-vem. Ondas que vinham ora calmas e minúsculas, ora enormes e violentas. E era isso mesmo que fazia o mar ser mar, essa instabilidade. Essa frieza inicial que a impedia de ir lá e dar um mergulho de cabeça, mas quando resolvia enfrentar a temperatura, o seu corpo acabava aos poucos se tranquilizando, e a paz e a alegria vinham como as ondas, batendo com força, e também suavemente a acariciá-la. Ela se sentia relaxada, revigorada, e até mais feliz. A água salgada funcionava realmente como um remédio. O banho de mar era um banho doce. Era o seu mar doce mar.
Ao contrário do que muitos pensavam, nos dias em que o marido estava embarcado ela não se sentia um peixe fora d’água. Ela caía na tentação de cair numa rede, e se embalava no movimento de ser só ela mesma. Nos livros, nas músicas, nas danças, na escrita, nos amigos, nas lembranças... Ela mergulhava num mar de gente e sensações que às vezes até chegava a se afogar, a ficar sem ar, sem fôlego de tanto que conseguia respirar fundo. Bem fundo. No poço sem fundo da saudade. E só saía dele quando o seu marido enfim voltava, lhe resgatando do maremoto.
Giulia sabia que seu casamento ia ter os seus altos e baixos. O homem com quem se casou nunca lhe escondeu nada, não lhe prometera um mar de rosas. Foi uma decisão tomada com sede. Sede de realizações, sede de algo que ela até hoje não sabe identificar. Só sabe que virou o copo de vez, tomou a decisão no calor da paixão. Se jogou na maré alta sem poder enxergar o perigo a que estava se submetendo. O perigo da maré agitada se transformar, do nada, numa maré baixa, calma, sem graça.
Seria mesmo doce morrer no mar? Num mar de amor? Tranquilo, sem ondas. Ondas que ela mesma teria que de vez em quando criar, ou tirar. Ela teria que agitar o mar por onde escolhera navegar. Ela no fundo sabia que tinha esse poder, e não podia abandonar o barco. Continuava remando. Às vezes contra a corrente que ao mesmo tempo que a aprisionava, a protegia. E assim seguia... Entendendo hoje a que sua mãe se referia quando falava da amiga: “Quem é do mar não enjoa.”
Saturday, January 15, 2022
Jardim de inverno
“Mudaram as estações, nada mudou...”
No frio, as flores dormem. E despertam belezas diferentes das que são vistas na primavera: Girassóis semsóis, rosas marrons, árvores secas, cheias de galhos agora sem nenhum sinal de folhas, de vida. São veias onde não correm cores, mas onde a lua quando aparece através delas, brilha ainda mais. O sol consegue surgir, não tão forte a queimar, mas chega sim a iluminar.
A frieza se faz presente e é insistente, independe de estação. Está também nas trocas, que não se dão. E nos contatos, sem tato. Um jardim de mim, com espinhos a flor da pele, a ferir, e a fé ri. Um solo fértil a ser semeado mas que só nasce, quando se esquece. Quando enfim, o frio se disfarça, e com máscaras floridas, aquece.
Inverno também pode ser colorido. E ter dias mais quentes. Basta saber pintar o quadro de uma fria realidade usando os pincéis da fantasia, da imaginação. Do Zoom das reuniões.
Inverno é uma estação para ensinar a acalmar, a abdicar, a transformar. Uma estação que também traz flores: as mais fortes, mais elegantes, mais persistentes e inteligentes.
No frio, jazem em mim, dores que dormem. Jasmins de uma infância a reflorescer e a perfumar. Jasmins perfumando o ar com o cheiro das minhas avós, Alma de flores, Rastros de Alfazema Suissa... Infância que me traz o ler, escrever, cantar e dançar. Infância que me traz vozes.
Plantando árvores, já saboreando possíveis frutos. A querer deitar e rolar, feliz, nas minhas sombras.
Com as folhas no chão, ou já não, a aprender. Pelas flores, que, lindamente virão, a pacientemente esperar. Ao olhar para o outro, entender, traduzir as suas raízes e aceitar, amar.
Deixar de estar plantada e andar, para assim me conhecer, me reconhecer, me identificar. Para assim, crescer, alcançar o tão difícil adaptar. Um outro enraizar. Com o adubo do sofrer.
Lágrimas, mágoas, a cuidar de um jardim. Jardinverno, primas que verão. Primavera, verão, outono... Ou nada.
A paixão, abdicada. E assim, imortalizada.
Histórias a se viver. Histórias a se contar. A se imaginar. E a ferir. E a fé ri. E a felicidade com a saudade, no meu peito ainda mora. Amora, mangaba, goiaba, maracujá, pitomba, umbu, cajá, caju...
A vizinha de frente, olha o seu jardim e decide seguir em frente. Enfrente!
“Quem tem flores, dá flores”. “Vejo flores em você”. “Estátua majestosa do amor”. “Simplesmente, as rosas exalam o perfume que roubam de ti.”
Às vezes o solo não permite, e a flor resiste. Em nome de um jardim, em nome de espinhos, a ferir, mas a fazer feliz. Semente de um outro país. Bonito por natureza.
A flor de uma pele a sentir. Sem ti. Sem raiz. Retirada, extraída. Dividida. Despetalada. Replantada. Reproduzida. Abdicada. Abduzida.
Dos trópicos a tropeçar, a cair... Pau que nasce torto, sim, se endireita.
Um tronco, mesmo torto, tem sim a sua beleza.
Monday, January 10, 2022
O bebê de Lucimar
Passar as férias na fazenda dos avós no interior era sempre uma aventura para ele. As noites de verão se transformavam num super evento onde as criadas contavam horripilantes histórias de terror. As personagens dessas histórias, elas juravam por tudo o que era mais sagrado, que realmente existiam por ali. Por isso que o medo ficava ainda maior. Conseguir dormir com tanta assombração na cabeça, tantos espíritos e seres de outros mundos rondando pelo escuro do quarto e do lado de fora da casa, era sempre um processo demorado.
Hoje, quando vai à velha casa da fazenda, lembra com carinho do tempo que passou com seus primos, da infância repleta de momentos tão mágicos que ele faz questão de recordar. Um episódio dessa série de acontecimentos na fazenda foi o que mais marcou. Quando ele encontra os primos, é o assunto que mais predomina. O que antes os amedrontava, agora é motivo de risadas, principalmente quando é ela mesma que, mais uma vez, resolve contar. A história do bebê da Lucimar, o Luzinho, que até hoje prefere ser chamado assim.
Lucimar é uma das criadas da fazenda. Ela sempre gostou muito de contar histórias para as crianças, e apesar de não conseguir falar algumas palavras corretamente, era sempre agradável ouvi-la. Nas noites de lua cheia ela se sentia mais inspirada. Devia ser coisa da lua, dizia a sua mãe. Tem gente que muda quando ela está nessa fase tão cheia e iluminada. Por isso que aquele ser misterioso aparecia no quartinho dela nessas noites. Um ser que até hoje ela não sabe explicar de onde veio e nem para onde foi...só sabe que suas visitas ao mesmo tempo em que eram assustadoras, foram também muito prazerosas.
O ser dizia que, num canto escuro da fazenda, escutava as histórias que ela contava para as crianças e se encantou com a forma que ela falava, gesticulava e interpretava. Ela parecia se esforçar para convencer as crianças dos relatos, sem saber que as seduzia sem precisar fazer nenhum esforço. Numas noites estava mais calma. Já noutras, parecia estar possuída. Ela ficava do jeito que ele gosta. O capeta em forma de mulher. E eram nessas ocasiões em que ele, quem diria, logo ele, se via tentado a levá-la ao paraíso.
A primeira vez que ela o viu, quase gritou. O ser invadiu o seu quarto, a sua cama, e não brincou em serviço. Antes, mandava ela contar alguma das histórias, do mesmo jeito que fazia com as crianças. Lucimar com medo de morrer, gaguejando de tão nervosa, ainda conseguia contar. A expressão do ser ia mudando, ele olhava para ela como que enfeitiçado, e não resistia, tinha que tocá-la. Lucimar rezava para ele não mais aparecer, mas quando ele sumia, sentia falta do calor do seu corpo. Ela até arranjava uma maneira de invocá-lo, pensava muito nele à luz da lua cheia. E quando ele reaparecia, Lucimar tinha outros tipos de histórias pra lhe contar, ou melhor, as histórias eram na verdade, sussurradas...
O resultado desses encontros quentes foi o nascimento do Luzinho. E quando perguntada sobre a origem desse apelido, Lucimar responde que vem do nome do pai, do Lúficer. E ao som das risadas, começa a contar novamente sobre o ser que a visitava nas noites de lua cheia.
Sunday, January 09, 2022
Grand finale sem Snow
Além de pedir pessoalmente quando foi tirar foto com ele no shopping, Aninha também escreveu uma cartinha:
“Oi, Papai Noel! Queria lhe dizer que fui uma boa menina durante este ano. Pode perguntar aos meus pais. Tenho certeza que eles vão confirmar. Meus irmãos também. Gosto de cantar, dançar, e mesmo quando estou muito fraca, com febre, e dor, procuro ficar feliz.
Na nossa casa apareceram uns ratos, e eu me assustei muito quando os vi. Tanto, que minha mãe prometeu que eles iriam embora. Fez uma armadilha fatal para os roedores. Pena que quem caiu foi o Gizmo, nosso pequenino chihuahua. Só de lembrar me dói. Ele ficou tremendo e foi se esconder embaixo da minha cama. Deve ser porque me viu uma vez fazer isso quando estava com medo. E ficou perto de mim como se estivesse me consolando, me dando apoio, não sei. Só sei que me ajudou, me fazia bem a companhia dele. Agora, já não faz. Ele se foi. Meu irmão disse que nem parecia ser mais ele. Não tinha aquela alegria, não tinha nenhum sinal de que era o nosso Gizmo. E realmente não era. Porque na mesma noite sonhei que ele saltitava numas nuvens. Ele estava brincando no céu. No céu dos cãezinhos. Acordei lembrando da cena, lembrando dele, de tudo que a gente fazia juntos e chorei um pouco, mas foi também de saudade.
O que eu quero de presente de Natal é um outro animalzinho.
Beijos, Aninha.”
Ao ler a cartinha da menina tão magrinha e de lencinho florido na cabeça, Seu Manoel se sensibilizou. Imediatamente lembrou da Angel, gata da sua vizinha, que teve filhotes.
Na noite de Natal, Aninha estava ansiosa. Embaixo da árvore já branca de neve como o seu pai falou, junto aos outros embrulhos, tinha uma caixa de sapato que se mexia. Ela foi correndo ver o serzinho, que colocou a cabeça alva com pequeninas manchas pretas, para fora da caixa. -Snow!- Aninha gritou já o batizando, e ele pareceu ouvi-la, pois caiu rolando e parou bem próximo aos seus pés. “Papai Noel realizou o meu desejo!” disse a menina encantada, agarrando o seu mais novo bichinho. A alegria dela contagiava a todos. Incrível como um corpinho tão franzino e sofrido conseguia ficar tão animado. A família toda estava sorrindo ao ver Aninha tão feliz, a cantar e a dançar. Viveram um Natal realmente mágico. Vestida de estrela, usando um lencinho brilhante na cabeça, Aninha se apresentou num palco improvisado. Tinha irmãos que faziam um bom trabalho de produção. Na plateia estavam seus amigos e vizinhos, inclusive o seu Manoel, radiante por ver que ela gostou do presente. Snow aparecia do nada e dava um brilho a mais ao pequeno espetáculo. Devido ao sucesso, a temporada foi estendida. Depois do Natal, o show da Aninha teve que continuar.
Ao sair de cena após uma das performances mais aplaudidas, Aninha foi buscar seu gato que naquele dia não saiu debaixo da cama dela. Preocupados com a demora da filha, seus pais entreolharam-se, deram as mãos, e respirando fundo, foram ao encontro daquela estrela, que mesmo sem ter tido tempo de mostrar um Grand finale com a presença do seu pet, ia continuar brilhando na memória de cada um que a conheceu.
Snow sumiu por um tempo. Depois reapareceu. Estava deitado num dos lencinhos floridos que Aninha costumava usar.
Saturday, January 08, 2022
Néctar apimentado
Eu era a ansiedade em pessoa esperando aquela nova funcionária do meu restaurante em Nova York. A sua documentação dizia que era também brasileira, e da Bahia! Quando ela chegou, que surpresa boa! Boa naquele sentido mesmo! Que coisa mais linda, mais cheia de graça, como diria o poeta! Tenho certeza que deve sentir falta de uma boa noitada regada a cervejas e caipirinhas, de um samba no pé, um bom churrasco, um forrozinho com direito a cheiros no cangote...
A cumprimentei em inglês, não quis entregar logo o jogo. Ela sorriu, e eu dei graças a Deus por estar sem máscara. Expliquei como seria o trabalho, e percebendo o seu sofrimento tentando me entender, não resisti e falei que minha mãe também era brasileira. Num gesto que demonstrou tanta alegria e alívio, ela disse:
- Sério?? Você também fala português?? – Falei que sim. Ela veio chegando perto, me deu um abraço apertado, e eu senti um cheiro tão bom! Como foi gostosa aquela sensação! Meio sem jeito, ela se afastou um pouco e olhou para o meu pescoço: - Nossa, tantas pintinhas você tem aí... – Você ainda não viu nada- me escapou. Rapidamente mudei de assunto, e perguntei quando ela poderia começar o serviço. Agora mesmo! ela falou prendendo os lindos cabelos negros. Sua tatuagem na nuca não passou despercebida. Elogiei e disse que também gostava de borboletas. Ela me confessou que não era a única, que tinha outra tattoo escondida. Morto de curiosidade não hesitei: perguntei qual seria e onde estaria a outra arte no seu corpo. Ela foi levantando o seu vestido e eu não acreditava no que estava acontecendo. Com um jeitinho inocente, baixou um pouco a calcinha rendada e me mostrou parte de outra borboleta, dizendo: - Essa outra fica bem perto da minha flor! – e antes que eu pudesse vê-la todinha, ela cobriu com o vestido. Sem saber o quanto tinha mexido comigo, ela foi começar o serviço. Saí da cozinha e fui ver como estava o movimento na área externa do restaurante. Já tinha um número razoável de clientes e eu estava com uma surpreendente disposição para atendê-los.
No final do expediente, fui me despedir da minha mais nova funcionária. Ciente de que éramos os últimos a sair, perguntei como foi seu primeiro dia. Sorrindo, ela falou que o seu dia foi bom, mas que ainda poderia ser bem melhor. Olhando novamente para o meu pescoço, ela foi se aproximando de mim e levantando o seu vestido, dessa vez a mostrar toda a outra borboleta, junto a sua flor, que estava depilada bem à brasileira. Eu não perdi tempo e caí de boca naquelas pétalas que estavam além de úmidas, muito cheirosas. Entre gemidos, depois de me conduzir ao seu néctar apimentado, enlouquecida de prazer, ela me puxou, tirou a minha camisa e parecia brincar de ligar os pontinhos com a sua língua por todo o meu corpo. Ao descobrir onde eu tinha mais uma pinta, ela o encheu de beijos, abocanhou tão firme e deliciosamente, a ponto de me fazer gozar quase levitando.
Nunca uma funcionária começou a me mostrar serviço dessa maneira. Nunca tive um dia de trabalho tão quente numa primavera. Já começo a imaginar como serão os nossos dias de verão...
Friday, January 07, 2022
A paixão de João
Sabia de cor a história de quase todos os santos. Acreditava em todos eles. Era incrível uma fé tão grande e contagiante. Todo santo dia ele fazia questão de contar uma história juntamente com o milagre correspondente.
São José, Santo Antônio, Santo Expedito, São Judas Tadeu, São Raimundo, São Francisco, São Jorge, São Bento... Santa Rita, Santa Teresinha, Santa Bárbara, Santa Cecília, e todas as Nossas Senhoras. Todo problema que os frequentadores da paróquia apresentavam, todas as vezes que alguém lhe pedia ajuda, ele aconselhava rezar para determinado santo e dava a certeza de que assim a solução estaria a caminho.
Faltando pouco para enfim se tornar padre, foi para o quartinho da sua casa, onde escondia pinturas, textos, e até fitas cassete com músicas que gravou. Resolveu mostrar tudo para um amigo de longa data. Gabriel, surpreso ao ver todo aquele belo material, lhe disse:
- Mas, João... Eu não sabia o quanto que você é talentoso!
- Eu, talentoso? – Perguntou desacreditado o seminarista.
- Sim, você não vê?? Pra mim você é um artista! – Anunciou-lhe o amigo Gabriel.
Emocionado, João olhou para as imagens de tantos santos que tinha. Elas costumavam ser a sua plateia. Somente elas haviam assistido às suas apresentações.
Mas a devoção daquele público infelizmente não era o suficiente. Não para Gabriel, que imediatamente pegou o celular e começou a tirar fotos. Saiu registrando as pinturas, os textos. Conseguiu achar o gravador antigo e pôs algumas fitas para tocar. Gostou tanto da voz de João a cantar, e também das músicas. Quem diria que aquele amigo sempre tão calado, tímido, que se soltava e ficava tão atraente quando tomava umas taças do sangue de Cristo, fosse dono também desses atributos.
- Você deveria ter fé também no seu trabalho.
- Mas eu tenho- falou João - E vou me realizar sendo padre.
- Você pode unir as duas atividades, ser um padre artista. – Aconselhou Gabriel.
Olhando novamente os textos escritos por João, Gabriel lembrou de umas cartas que recebeu certa vez, de uma suposta admiradora secreta. As cartas têm poesias e desenhos de paisagens parecidas com as que estavam ali...
Thursday, January 06, 2022
Porta que não fecha
A porta está quase sempre encostada. Para abri-la não é necessário virar a maçaneta antiga. Até ao passar por ela, às vezes apressadamente, ouve-se ela se abrindo sozinha.
Lá embaixo é frio e escuro. A escada é de aparência frágil e ao mesmo tempo perigosa, de madeira, sem corrimão. O verde do qual ela foi pintada é um verde musgo, deixando ainda mais escuros os degraus que chegam a ser de alguma forma, convidativos.
Uma mancha escura no final da escada mostra o quanto foi tentado apagá-la, mas mesmo assim, teimosa, insiste em aparecer gritante.
Um piano velho fica no lado direito, no esquerdo ficam os aquecedores, uma escrivaninha com gavetas, um mural com cartões postais e alguns desenhos infantis coloridos e ainda assim, depressivos.
Várias prateleiras com caixas guardam enfeites de natal, embalagens de presentes, cadernos, bloquinhos de papel, agendas, livrinhos e em outras são guardadas roupas como vestidinhos floridos, alguns com saias bem compridas. Casaquinhos, capinhas de chuva e também pequenas botas.
Algumas ferramentas de jardinagem, e produtos de limpeza ficam armazenados lá, junto com as máquinas de lavar e secar. A torneira da pia insiste em pingar numa pequena poça.
A luz principal não chega a iluminar tudo. Para clarear mais, é preciso acender uma lâmpada dentro, puxando uma cordinha no seu próprio bocal. Num canto mais escondido fica um abajur de pé com uma boneca pendurada. Um pouco mais adiante, uma caixa bem desarrumada de fotos antigas, algumas de uma menina brincando com um ursinho caídas no chão.
Um suporte de metal próximo a parede empilha sedutoras garrafas de vinho. Em cima de uma pequena mesa de plástico foi deixada uma carta junto de uma garrafa vazia. Pela janela basculante, sombriamente se enxerga a árvore do quintal com um balanço sendo movido pelo vento...
Ao lado da janela, uma corda foi amarrada numa das tubulações entre os varais. E o que está pendurado nela, embora pareça, não é uma boneca. Ao seu redor, uma selva de pelúcia ferozmente liberta: elefantes, tigres, jacarés, macacos, pássaros, e num canto afastado e escuro, um ursinho encardido.
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Wednesday, January 05, 2022
"É o amor..."
, mas mesmo se sentindo
aflita, meio desesperada, Júlia não deixava também de se sentir alegre e satisfeita
com o que poderia estar lhe acontecendo.
Júlia reencontrou uma
antiga paixão que vivera na adolescência. Jurava que não correria perigo algum
pois estava muito bem casada e ele também. Seria um reencontro inofensivo, de
velhos amigos, afinal fazia muito tempo que não se viam.
O máximo que poderia
acontecer seria um abraço apertado. Com esse abraço apertado ela não esperava
que fosse sentir tantas coisas. Um cheiro, o prazer com o jeito de lhe tocar, o
aperto tão difícil de escapar, o despertar de um desejo. Júlia quis que o
tempo parasse ali, naquele momento, naqueles braços. Ela reencontrou também com
uma Júlia que pensava ter existido somente no passado.
Ao voltar para casa , Júlia foi tomar banho. Ficou lembrando de Bernardo, do quanto foi intenso
revê-lo, abraça-lo...Seus pensamentos foram interrompidos pela visão de uma lagartixa
na parede do banheiro, perto de uma falha do azulejo. Parecia esperar por algo,
estava atenta ao buraco da falha quando de repente, dele surge uma barata. A
lagartixa a ataca rapidamente e num golpe só, abocanha a sua cabeça. Júlia
assiste a cena como se estivesse em transe, percebe as patas traseiras da
barata ainda se mexendo enquanto aos poucos ia sendo engolida. Antes de sair do
banheiro Júlia volta a olhar para a lagartixa que está imóvel na parede. Imóvel
e mais corpulenta, observou. Também, depois de comer uma barata inteira, e de
uma só vez! – pensou ainda espantada Júlia. É a natureza mostrando que as coisas
simplesmente acontecem quando têm que acontecer, refletiu. A lagartixa nem se
incomodou com a presença dela no banheiro, a fome falou mais alto que o medo. Ela
não podia perder aquela oportunidade. Talvez tenha visto a barata entrar no
buraco do azulejo e sabia que em algum momento ela ia sair. Por isso estava tão
atenta, e assim conseguiu pegá-la.
Com o marido no
trabalho, e filha na escola, a casa lhe oferecia inúmeras tarefas para fazer.
Era só olhar para ver. Mas ela fingiu que não estava enxergando e pegou o
telefone. Viu que Bernardo havia mandado mensagens. Júlia sentou-se na
poltrona e ficou a se deliciar com o que estava sentindo. Será que ele sabia em
que pé andava o seu casamento, e esperava atento ela ter forças para sair do
buraco? Se tornando assim uma presa fácil?
Seu marido chega em casa com a filha , os dois dando risadas, e Júlia se vê invadida por uma admiração tão grande por eles que chega a ficar irritada. O rádio da vizinha toca uma música sertaneja enquanto ela recebe um abraço duplo. E o refrão da canção ressoa como se lhe explicasse o que eles, apesar de tudo, estavam vivendo: